Transcrevemos da "Apresentação da primeira edição do romance, "Trapo Azul", publicado em 1948, as palavras de Romeu Correia. Desta vez ele não fala da Incrível, mas de um grande Incrível, Alberto de Araújo, o patrono da nossa Biblioteca:
«Na pacata vila de Almada, que por esses
tempos não ia além de trinta mil almas, passei ao papel uma longa história das
pobres costureiras dos fatos de ganga para os operários, profissão-último
recurso, sujeita à mais desenfreada exploração das mestras, que nalguns casos
(por paradoxo que pareça!) eram mulheres ou filhas de… operários.
A falta de consciência de classe tem
sido uma constante anti-revolucionária do povo português; a mentalidade
pequeno-burguesa uma alienação, uma nódoa imperceptível, que alastra,
traiçoeira, por todos os lados- A fome e o frio sofridos na carne não são
vistos como uma flagrante e intolerável injustiça social a que devemos pôr
fim. [...]
Outro amigo de quem desejei ouvir uma
opinião sobre o texto foi o Dr. Alberto Emílio de Araújo, dois anos antes
libertado do campo de concentração do Tarrafal. Professor liceal, de sólida
cultura humanista, tinha uma perspectiva
marxista da sociedade como raros neste país. Militante do Partido
Comunista Português, pertenceu ao seu comité Central durante anos. O regresso
deste filho querido a Almada fora um acontecimento local do pós-guerra. Éramos
vizinhos e amigos, por isso lhe pedi opinião sobre o meu manuscrito. Mas a sua
frágil e conturbada saúde sofrendo crises sucessivas, tivera por essa altura
uma das mais graves recaídas. E fora forçado a recolher-se ao Hospital dos
Capuchos para extrair um rim. Com mágoa minha, o Alberto Araújo, só pôde ler o
Trapo Azul., impresso, um ano depois.»